A DÚVIDA

Por Carla Madeira*

A trajetória humana é o resultado da tensão entre preservar e transgredir.
O corpo quer preservar.
A alma, transgredir.
Funciona mais ou menos assim: o sujeito está parado em frente ao mar, em um lugar paradisíaco, dia azul, brilhante e agradável. Uma brisa suave deixa a vida perfeita.
É quando a alma começa a se perguntar:
 “O que será que tem do lado de lá?”
O corpo completamente feliz com o paraíso responde:
“Não faço a menor ideia.”
Então, a alma continua:
“Acho que vamos ter de ir até lá.”
 “Como assim”, protesta o corpo!
  Ir lá a troco de quê? Correr o risco de afogar, de ser comido por um tubarão!”
 “É, mas, se o único jeito de saber o que tem do lado de lá é indo lá, vamos ter que ir.
Ou você prefere que eu vá sozinha?”
 O corpo, sabendo que não pode ficar vazio de alma, se conforma.
E a alma, cheia de coragem e dúvida, se lança ao mar.

O que nos move são as perguntas, que organizam nossas dúvidas.
 Que não se calam e nos fazem seguir em frente.
Os maiores empobrecimentos do mundo e as maiores violências nascem das certezas.
Os fundamentalistas são aquelas pessoas com certezas tão absolutas que matam e morrem por elas.
 E fazem isso não pelo que acreditam, mas porque estão tão radicalmente sem dúvidas que não admitem que o outro pense ou seja diferente.

A obsessão pela certeza é uma tentativa de eliminar o risco.
O medo do risco imobiliza.
O sujeito passa as quatro estações dentro de casa.
Não pode sair no verão porque o sol forte pode provocar câncer de pele.
É verdade, pode.
Não pode sair no inverno porque pode pegar uma pneumonia.
 É…pode.
Não pode sair na primavera:
vai que as abelhas, assanhadas com o pólen, resolvem atacá-lo.
Isso pode até matar.
Não pode sair no outono já que as folhas caem, e um galho pode cair junto, bem na cabeça do cara.
Quem pode garantir que não?
 É isto que o medo faz: ele transforma a possibilidade, muitas vezes remota, em certeza.
O medo é a certeza de que o pior vai acontecer.

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